domingo, 30 de novembro de 2008

Visito um CDI/SRI em uma cidade interiorana. Já está em funcionamento há alguns anos, desde que a Mision Barrio Adentro assumiu o edifício onde se localiza hoje e cujas obras já estavam paradas há 7 anos. Conta com um serviço de cirurgia ambulatorial (pequenas cirurgias, esterilizaçao, hérnias, colecistectomia e traumatologia e ortopedia de baixa complexidade) e com cirurgias pela Mision Milagro.
O tempo foi curto para tanto aprendizado! Teríamos que voltar para capital no almoço, mas a conversa com a gerência foi tao boa e tao proveitosa que nao conseguimos sair antes das 14:00. Em que pese que com isso nao consegui conhecer todo o serviço, só a parte relacionada a reabilitaçao.

Nesta conversa consegui explorar bastante sobre como é o modelo gerencial do serviço. Para cada setor existe um responsável, encarregado por reunir sua equipe e reunir-se com os demais responsáveis por setor e com a coordenaçao geral. As reunioes setoriais devem propiciar o trabalho em equipe, utilizar metodologias participativas, incetivar e motivar os trabalhadores e assim poder explorar o potencial e o talento que cada um está disposto a oferecer ao serviço.
Todas as manhas o conselho administrativo, composto pelas chefias dos setores, reune-se por volta das 7:30. A reuniao deve ser breve e operativa, tem o propósito de avaliar os acontecimentos do dia anterior e planejar as açoes do dia que se inicia e assim, durante o dia, dedicam-se mais a supervisionar e checar as açoes determinadas.

Algumas das metodologias que utilizam sao técnicas de reunioes participativas (aparentemente com bastante influencia de Paulo Freire), o planejamento estratégico, a matriz DAFO e a direçao por valores.
Realizam trabalhos em torno da determinaçao de fluxos e protocolos para o serviço. Avalia-se que todos esses protocolos e fluxos sao construídos com a equipe, que é muito consciente dos mesmos. Para proteçao do trabalhador pontos de risco sao caracterizados, descritos e as prevençoes a acidentes trabalhadas com a equipe.
Para educaçao permanente (e gestao) realizam reunioes semanais com o corpo clinico.
Realizam um trabalho de vigilancia epidemiologica da populaçao que atendem de forma permanente, buscando intervir no problemas que surgem ou nos problemas mais prevalentes, nao sao com a adequaçao do serviço a essas demandas, como também com a realizaçao de trabalhos comunitários em conjunto com os consultórios populares e com a rede ambulatorial existentes na regiao.
Para avaliaçao utilizam-se de indicadores de processo e de resultados e da análise da situaçao de saúde da populaçao que atendem. Intensionam, neste próximo ano, implantar a pesquisa de satisfaçao entre os usuários.

Na integraçao com os outros serviços buscam suprir algumas debilidades. Por exemplo, realizam sorologias para hepatite B e C e Chagas, mas nao tem aparelhagem para realizar para os testes para sífilis e HIV, encaminhando os pacientes para um serviço da rede ambulatorial que os contenha.
Esse trabalho intenso e apaixonado faz a gerencia crer que os problemas estruturais nao afetam o funcionamento do serviço devido ao intenso trabalho com seu corpo profissional. A manutençao da motivaçao e do empenho altos faz com que consigam contornar esse problemas de forma fácil e tranquila.
Outro problema que tem sido encontrado é a resistência de alguns setores em se tratar com os profissionais cubanos. Isso está sendo tratado com o tempo, trabalho e exemplo. Contam-me de um caso de uma pessoa que se acidentou na estrada que fica ali perto, nao queria ser tratada por cubanos de nenhuma forma, mas mediante da falta de recursos e condiçoes clínicas para ir para outro lugar acabou cedendo e deixando-se ser operado ali. Acabou se converter em um boa propagandista do CDI.

Pane! Ao ir conhecer o serviço de reabilitaçao (que nao me canso de dizer que é um exemplo a ser exportado!) paro para conversar um pouco com um paciente. Sujeito muito feliz e muito bem humorado. Descendente de jamaicanos fala inglês fluentemente e era neste idioma que conversava com o técnico que o atendia (cubano, também de ascendência jamaicana). Querendo brincar comigo começou a conversar em inglês comigo também. Meu processador mental travou! :-P Fui incapaz de lembrar nenhuma palavra em inglês para responde-lo! Pouco depois iniciamos uma divertida conversa em que eu falava em português, o cubano em espanhol e o paciente em inglês! Só para relatar um episódio divertido...

Agradeço aos companheiros deste serviço que foram extremamente abertos e que me deram verdadeiras aulas. Além disso, passaram para meu pendrive uma enormidade de material de gestao, coisas daqui e coisas de Cuba. Nesta hora faz falta o laptop para estudar essas coisas noite adentro. Também tenho fortes expectativas que possamos manter o contato e continuar nossos intercambios.

Vale relatar também algumas experiências de Cuba que fui escutando durante a semana. Na década de 80 a ilha teve sérios problemas com epidemias de dengue, para combater o vetor realizaram entre outras coisas a formaçao de brigadas anti-vetorial. Nesta estratégia davam aula para estudantes de 13 a 15 anos interessados, sobre como combater o Aedes. Isso somado a trabalhos comunitários e os intensos trabalhos das equipes de saúde os fez conquistar áreas livres do Aedes, ainda que algumas mantenham sua endemicidade. Assim, a dengue é uma doença totalmente sob controle.
O começo do trabalho dos cubanos foi muito difícil, a resistência era muito grande, mas com o tempo isso mais se dissolvendo e agora avaliam que o trabalho tem sido muito recompensador. Dizem que profissionalmente vir a Venezuela foi uma grande experiência, aqui podem atender a enfermedade com sao mais raras ou nao existem na ilha. Impressionam-se por exemplo com a quantidade de gravidezes na adolescência, com a multiparidade ou com a mortalidade infantil por diarréia. Esta oportunidade de conhecer um país que trabalha/trabalhava sob o signo do capitalismo os fez valorizar ainda mais seu país e seu processo revolucionário, assim como apoiar o processo que se desenvolve por aqui. A recompensa por tanto sacrifíco? Reconhecimento moral, a satisfaçao de ajudar a mudar um país que estava muito carente de assistência em saúde. Gostaria muito que pelo menos uma parte dos meus colegas (re)descobrissem como é mais gratificante trabalhar por alguma coisa que nao seja dinheiro. Alguma coisa mais importante do que isso. Enfim...

Para encerrar. Hoje fecho a primeira metade da minha estadia aqui na Venezuela, daqui a pouco estarei a caminho de Maracaibo. Barquisimeto nao será mais o refúgio dos finais de semana. Deixo, já com muitas saudades, a família que me adotou aqui na Venezuela. Talvez nao tenham consciencia, ou talvez sim, do quanto foram importantes para mim nesta viagem, do quanto aprendi com eles e carrego na minha bagagem para a vida. Só o muito obrigado pelo carinho e pela amizade! Claro! Especial agradecimento a Camilo que me emprestou seu quarto e sua cama!

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