quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

(continuando - 01/12)
Centro Piloto Toromo


Passamos rapidamente pelo Centro Piloto Toromo, também da etnia Yukpa. Muitas das pessoas nao estavam por ali, tinham ido para a cidade para a nomeaçao do novo prefeito. As pessoas por aqui ainda estao um pouco assustados. Há cerca de uma semana, durante uma forte chuva houve um deslizamento, grandes pedras e árvores vieram montanha abaixo, chegaram até a comunidade e atingiram a casa de apoio aos indígenas. Nesta casa pernoitam aqueles que sao de povoados mais distantes, que ainda levariam muitas horas para chegar em suas casas. Umas 20 famílias estavam por ali, quase todos conseguiram sair, mas 2 pessoas faleceram.

A primeira coisa que me veio a cabeça foi Santa Catarina e suas belas cidades alagadas, a centena de vítima e as dezenas de milhares de afetados...


No almoço, presencio o início de uma reuniao dos defensores de saúde, quase todos vindos das comunidades indígenas. Sou apresentado, começo a conversar com um e com outro. Logo um defensor se manifesta em voz alta, cobra mais recursos para sua comunidade, quer um médico para ela. Algumas pessoas parecem constrangidas com a cobrança dele. Ele nao deixa de ter razao, apesar de sua comunidade ser pequena. Concordo que nao tem cabimento colocar um médico para cada uma, tao pouco haveriam profissionais para isso, mas é interessante avaliar-se a irradiaçao das açoes de saúde do consultório popular do centro piloto que supre essa comunidade.


Yukpas


Dizem os ancianos que a primeira pessoa vivente era um homem, saído do tronco de uma árvore. Todos os dias ele ia só para o campo. Trabalhava na terra, semeava, cuidava dos animais e quando chegava na sua casa ia cuidar de sua vestimenta, de sua comida e da própria habitaçao. Sentia-se muito sozinho e muito atarefado. Queixava-se disso para o vento, para os animais. Um pica-pau, escutando sua tristeza disse-lhe que sabia onde poderia encontrar outros, mas que para isso precisaria andar muito e que ao chegar deveria bicar-lhe muito ao que ele tinha que gritar com uma voz muito aguda. Entao este yukpa aceitou a proposta, faria qualquer coisa para ter uma companhia para seu trabalho e para sua vida.
Assim foi. Depois de muito caminhar, o passaro começou a bica-lo e ele começou a gritar. Já estava ficando triste de ver que nada acontecia e que ninguém saía da mata. A ave entao mandou que ele corta-se o galho de uma árvore e voltasse para casa. E assim o fez. Nos dias seguintes à sua chegada, toda vez que voltava do campo encontrava a casa arrumada e a comida feita. Mas quem estava fazendo isso? Isso se repetiu por alguns dias, até que se decidiu em ficar nas redondezas para ver quem chegava. Para sua surpresa viu que uma mulher saía do galho que tinha cortado, fazia várias coisas na casa e depois voltava. No dia seguinte, ficou em sua casa e agarrou a mulher para que nao voltasse mais para o galho e lhe fizesse companhia. E assim nasceu o povo yukpa.


De suas tradiçoes conto dois fatos. As garotas, ao tornarem-se mulher, sao levadas à montanha e lá devem ficar retiradas por 5 dias, sem contato com ninguém além de sua mae. Assim estao preparando-se para a vida adulta. Para casar com uma mulher, o homem deve ter feito o cultivo de 5 produtos diferentes.


02/12 - San Enrique Lossada


Esta é uma cidade mais próxima de Maracaibo. Tem uma grande populaçao de indígenas da etnia guajiro ou wayuü, todos muito urbanizados. Nossa primeira parada é na Petrowayuü


A Petrowayuü é uma empresa de capital misto, 60% da PDVSA (estatal petroleira venezuelana), 36% da Petrobras e o restante de outras. Tem uma produçao diária de cerca de 10.000 barris de petróleo. 1.1% da declaraçao após abatidos os impostos (líquida/neta) deve ser revertido en projetos de apoio social. Da mesma forma, qualquer contrato que faça, a empresa contratante deve reverter 1.1% para esses projetos. No caso desta empresa, o que é gerado pelas contratista é acumulado anualmente para realizaçao de projetos maiores. Essas cotizaçoes sao constitucionais e têm provido a sociedade de muitos equipamentos sociais visando o desenvolvimento social, a diminuiçao da desigualdade social e a verdadeira inclusao e manifestaçao cultural dos povos indígenas wayuü. Dentre as obras realizadas, podemos citar algumas:

- Construçao de moradias para famílias wayuü sem moradia digna. Seu projeto foi desenvolvido em conjunto com representantes dos indígenas para a melhor adaptaçao possível à sua cultura.

- Construçao da Aldeia Universitária, obra para a Mision Sucre, para ensino universitário.

- Dotaçao de equipamentos estruturais e apoio logístico à Mision Barrio Adentro.

- Construçao do Centro de Capacitaçao para Conselhos Comunais. Visitei esta obra, que vai ser inaugurada na próxima semana. Vai cumprir com aimportante funçao de formaçao política, economica, administrativa e em saúde para os conselhos comunais da cidade. Está contando com duas salas de aulas e espaço para atividades culturais.

- Construçao do Mercado Artesanal. Foi inaugurado há três semanas. Os wayuü sao exímios artesaos, ali no mercado pude ver suas roupas, bolsas, gorros, calçados, bonecas etc. Fui regalado com um tapete! Belíssimo, onde pode-se ver o turpial (ou uuliuü), passáro típico e símbolo da regiao. Pego desprevinido, nao pude comprar alguma coisinha de lembrança. A organizaçao do mercado é feita por dois conselhos comunais e sua manutençao feita pelos próprios artesoes. Aqui é clara a regra que artesao é aquele que vive exclusivamente de seu trabalho manual, sempre com base na cultura indígena tradicional.


Passo por alguns consultórios populares. Tenho a oportunidade de conversar com alguns odontólogos e com um deportista, infelizmente nao encontramos médicos, já estavam fazendo trabalho em terreno. Uma das dificuldades que estes trabalhadores têm encontrado é justamente cultural com a populaçao, primeiro o medo de ondontólogo (parece ser um mal universal!) e depois que as atividades dadas pelos deportistas nao sao bem aceitas pela populaçao wayuü, de tal forma que sao pouco frequentadas. É um problema, já que estao na cidade, comendo as coisas da cidade também, logo também acabam sendo atingidos pela obesidade, hipertensao etc.


Escola Wayuü


Os indígenas sao historicamente discriminalizados e excluídos da sociedade. Sobrou-lhes, ao viver nas cidades, uma vida marginalizada e na pobreza. Visito um setor próximo ao depósito sanitário da cidade, do qual muitas pessoas sobrevivem (tal como vemos no Brasil) e no qual muitas crianças brincam e ajudam suas famílias.
Diante desta situaçao, nos últimos anos a populaçao organizada conseguiu que fosse construída uma escola na área. Ainda assim tiveram dificuldade em participar da vida da escola. Depois de muita luta a escola passou a atender e a incluir a populaçao wayuü (que compoe quase 100% da populaçao dali) e passou a se chamar Suurla Wakuaiipa (Raízes da Cultura).

Agora essa escola conta com um corpo docente exclusivo de membros das famílias wayuü, que além de realizarem o ensino bilingüe cultivam toda a cultura tradicional. As professoras todas estao vestidas com as mantas típicas, adornadas com costuras coloridas ou com os símbolos das famílias desenhados (sendo o da família a que pertence a professora, no peito).
A comunidade fez um censo das crianças que viviam por ali e foram, pouco a pouco, tirando-os do lixo (basura) e colocando de volta para os estudos. Como muitos estao com os estudos atrasados, hoje a escola atende crianças de 6 a 15 anos (nos 6 anos de estudo primário). Muitos pais também pararam de recolher lixo e se tornaram funcionários da escola.
Passeando pela escola, vejo as crianças preparando artesanatos para o natal e fazendo taparas (uma cuia onde se toma sopa, ou líquidos em geral). Uma sala está equipada com vários computadores, ligados em software de linguagem livre (Ubuntu) e alguns programas estao sendo traduzidos para o idioma wayuü.

Infelizmente estou com dificuldades de anexar as fotos aqui. Elas podem ser conferidas no endereço http://picasaweb.google.com/lh/photo/mhuDmwW_PqfiiDSK8LMM6g.
Hoje já nao dará mais tempo de escrever das atividades de hoje, tao pouco as legendas das fotos. Assim que possível faço-o. De toda forma, para quem está acompanhando o blog será fácil seguir a cronologia das fotos.
Abrasos

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