sábado, 8 de novembro de 2008

Em Caracas - Formaçao de Talento Humano para Atençao Primaria em Saude

Chegamos em Caracas às 6 da manha do dia 06. Temos uma visao única da cidade... ruas vazias (relativamente), a cidade ainda está acordando. Toda cercada de morros, fica bem clara a desigualdade que assola quase todas as cidades de nossa América Latina (ainda que algumas tentem esconder). As favelas (barrios), extendem-se morros acima, visao muito semelhante do que encontramos no Rio de Janeiro, por exemplo.

Fazemos uma parte do caminho de metrô. Um belo sistema metroviário, bem organizado, muito movimentado, mas sem dúvida ainda nao tanto quando o de Sao Paulo. Por uma casuidade o trem pára (lembro, de imediato, horas que perdi ano passado, em Sao Paulo, com panes nos trens). Fazemos o resto do caminho de táxi e depois de passarmos por uma parte nobre da cidade, com ruas muito arborizadas ficamos felizes de chegar ao hotel. Parece-nos que o taxista nao enxerga muito bem! Um velhinho talvez um pouquinho velhinho demais e um poquinho mais cego do que deveria ser um taxista! hehehe

Estamos ali para participar de uma Oficina (taller) sobre a Formaçao de Talento Humano para Atençao Primaria em Saúde. Foi boníssima! Diretores de saúde de todo o país, reunindo-se com Ministério do Poder Popular para Saúde para discutir a conformaçao de um sistema de saúde e a inserçao e formaçao dos trabalhadores nisso.

Primeiro Dr. Pedro Bonal, da Espanha, passa-nos um pouco da experiência que tem tipo por lá nos últimos 30 anos. Depois seguimos com um breve histórico do sistema de saúde venezuelano e do programa Barrio Adentro. Nesta apresentaçao (ponencia) podemos ver um pouco do que está se propondo na conformaçao do sistema, parecido com o esquema que pus anteriormente. É baseado nas Area de Salud Integral y Comunitaria, responsáveis pela atençao, vigilancia, gestao e planejamento, formaçao e analise da situaçao de saúde da comunidade adscrita. Cada ASIC, em conjunto com equipamentos de apoio diagnóstico, reabilitaçao e hospitais gerais esta dentro de um sistema distrital, que junto com outros e com hospitais especilizados conformam os sistema estaduais. Hospitais especializados e nacionais entram para conformar as redes territoriais, o círculo mais ampla, mais externo. Ressalta-se sempre que o centro do sistema é a família e que tem propostas para a incorporaçao dos serviços de saúde tradicionais.

Na palestra seguinte, Dr. Bonal coloca-nos da esperiencia espanhola de formaçao em Medicina de Família e Comunidade, a criaçao de pós-graduaçoes e a influencia sobre asd graduaçoes. Enfatiza bem que a formaçao coloca niveis de responsabilidade e prioridade e que nao obedece os ditames do mercado. As vagas sao dadas pelo governo conforme as necessidades diagnosticadas.

Dr. Francisco expoe sobre as condiçoes de trabalho para que se desenvolva um serviço de qualidade e digno para satisfazer as necessidades dos trabalhadores, da comunidades e das pessoas que usam o sistema (aqui, o termo "usuario" que costumamos usar no Brasil, tem uma conotaçao tao mercantilista quanto "cliente", preferem pacientes). Uma ótima discussao de temas como saude ocupacional, higiene ocupacional, biosegurança, legislaçao, formaçao (tecnica, permanente, profissionalizante, politica e ideológica), mas também uma bela discussao dos princípios que devem reger as relaçoes (respeituosas, fraternas, solidárias, democráticas, com gestao participativa e pomotora de desenvolvimento pessoal.)

Finalmente, para irmos para as mesas de trabalho, fala-se sobre o Programa Nacional de Formaçao em Medicina Integral Comunitaria. Ressalta-se também que este programa inclui formaçao em enfermagem e engenharia clínica.

Os trabalhos nas mesas sao estimulantes! Discussao democratica, com gestores dispostos a falar e a expor suas fragilidades! Em cima dos problemas apontados somos deveras propositivos! O relato de nosso grupo é de 6 páginas de propostas detalhadas, com responsáveis e prazos para cumprimento! Sim! Assim é bom falar dos problemas! Muito bom!!!
Foi fantástico participar desse riquíssimo momento de construçao de um sistema de saúde público e nacional!

Ah! Foi relatada uma experiência belíssima! O Rio Orinoco é o maior rio da Venezuela e sua desembocadura no mar é um grande delta! Localiza-se no Estado Delta Amacuro e toma boa parte de seu território. Ali existem muitas tribos indígenas de muito difìcil acesso, muitas chegam a 10 horas de viagem de barco. Como resolver a pobreza e o difícil acesso à saúde desses povoados? "Simples", formar moradores dessa comunidade em profissoes da saúde! Fantástica experiencia. Dá vergonha do que temos no Brasil! Na cidade amazônica que conheço, longe e de difìcil acesso, mas nem tao pequena assim (20000 habitantes) a equipe de saúde é mínima a ponto da estrutura ser muito maior que a quantidade de profissionais. Como se nao bastasse, 75% do médicos atua ilegalmente e que, ainda por cima, devolve parte dos aproximadamente R$15000.00 para a prefeitura (que é quem os contrata!). Afff! Ainda assim, se estivesse lá, também contrataria esses médicos sem regularizaçao... os médicos brasileiros legalizados nao querem ir para lá!

Bom. Outro resultado muito bom foi que conseguimos contato com gerentes de variados estados e assim já estou com um cronograma para dar uma volta por toda a Venezuela. De Leste a Oeste! Nao acho adequado detalhar isso aqui, com tanta antecedência, mas aguardem as cenas dos próximos capitulos.

Um pouco de história
Com algum tempo até que nosso onibus saísse passeamos um pouco nas redondezas do terminal. Fomos à Praça Altamira. Muito bela! Com um jardim muito bem cuidado. Essa praça é reconhecida por ser um reduto da direita no país. Na época do golpe de 2002 as lideranças capitalistas reuniam-se nesta praça para discursar para a populaçao. No meio tem uma imagem de Nossa Senhora, dita que para proteger os venezuelanos do "demônio" que é seu presidente. Aquele velho discurso desqualificatório e sem bases que escutamos a direita pronunciar tao comumente também no Brasil. Para mim, parece-me que a presença de um reduto da oposiçao tao publicamente colocado desqualifica o regime político como sendo uma ditadura (afora o fato de até agora nao ter visto qualquer tipo de movimento de repressao a expressao de opinioes, nem pela força, nem pela política).

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Inserçao dos alunos nos serviços tradicionais

Agora publico algumas coisas que escrevi dias 05 e 06. Tive dificuldade em publica-lo dia 06 (por autocrìtica ao texto, mas resolvi nao edita-lo). E nao acessei a internet dia 07.

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Hoje está mais difícil para escrever... Faz exatamente uma semana que estou por aqui. Está sendo realmente muito bom! Nao tenho nem o que falar... Só estou com saudades... naturalmente... Saudades da pessoas... muitas. Ou de coisas bobas também, que "só no Brasil tem", como tereré (ótimo para esses dias de calor e muito trabalho) e coisas assim. Enfim... amanha acordo melhor.

Ambultorio de Pueblo Nuevo

Fui a este ambulatório ontem (05/11), nao fica tanto na periferia da cidade. Está mais bonitinho, mais enfeitado e também mais vazio. Sao poucos os pacientes nas salas de espera.
O grupo de diabetes é também para a entrega de medicamentos. Está cheio! Devem ter uns 30 idosos! Inicia com a conducao de uma estudante, faz um aquecimento. Os idosos se divertem... Depois outra, com tanta desenvoltura quanto, faz uma memória do encontro anterior. Em seguida discutem sobre algumas das complicacoes do diabetes. Dizem-me que as técnicas de conducao de grupo sao aprendidas ao longo do curso, em aulas como as de antropologia e outras.


Um senhor diz-me que já faz parte do grupo há 16 anos! Sempre gostou muito de participar e de frequentar o ambulatorio, sendo sempre muito bem tratado. Teve dificuldade em aceitar a doenca e em aceitar que tinha que tomar a medicacao o resto da vida. Teve severa piora e as consequencias só nao foram mais severas e permanentes porque teve melhora com o uso de "medicina alternativa" e acupuntura (palavras suas). Conta essa sua história de vida disparadamente. Tenho poucas chances de perguntar-lhe qualquer coisa porque logo se vai, está sendo chamado para ensaiar um ato teatral que vao apresentar por ocasiao das comemoracoes do dia do diabético. Diz que é muito bom conversar com os médicos porque eles têm muitos conhecimentos, mas diz (espontaneamente!) que os médicos também podem aprender muito com ele, porque ele tem outros tipos de conhecimento...

Outras conversas passam pela questao da falta de médicos nos ambulatórios da periferia. Referem motivos como baixos salários, as vezes condicoes de trabalho que nao les agrada, sensacao de inseguranca, mas o tema do baixo salario aparece forte.

A insercao da Faculdade

Os alunos (de medicina e enfermagem) da Universidad Centro-occidental Lisandro Alvarado vao para a comunidade desde seu primeiro semestre. Esse primeiro contato é mais superficial, com visitas ao longo do período letivo. Sao atividades mais relacionadas ao diagnóstico do território. No 2º ano sao atividades relacionadas ao estudo da comunidade. No 3º ano, na disciplina de epidemiologia, existem contatos pontuais, relacionados ao estudo do bloqueio de doenças transmissíveis.

No 6º ano a inserçao é intensiva. Sao 20 semanas de estágio em um ambultório urbano e 10 semanas em um ambulatório rural. Os objetivos dos estágios sao construidos conjuntamente entre professores, alunos e comunidade. A comunidade acompanha o trabalho e também atribui notas, informais, mas consideradas pelos professores.
De um universo de 100 alunos, grupos de 4 a 6 passam em cada ambulatório. O estágio é composto por atividades comunitárias e coletivas, consultas individuais e um trabalho de investigaçao (cuja tema é mais aberto à escolha do aluno, apesar de se tentar uma induçao para que faça algo para devolver para a comunidade). Até a 3ª semana os alunos tem que apresentar um projeto de trabalho. Ao final do estágio devem apresentar um relatório, que deverá ser devolvido à comunidade também. Este trabalho pode ser influenciado por demandar inclusive do ministério da saúde, para intervir em uma epidemia, por exemplo.

Algumas leis os afetam diretamente. Devem exercer, a partir do 7° semestre, 120 horas de trabalho comunitário. Parecem ter alguma dificuldade com isso, nao há horário na grade e acabam fazendo-o de noite ou fins de semana. Em geral o cumprem até o 9° semestre porque ficaria muito difícil de faze-lo no 5 ou 6 ° anos (que contam-se só depois de 9 semestres). Depois de formados devem trabalhar por 1 ano em zonas rurais ou áreas onde a falta de médico seja crítica. Esse tempo pode ser susbstituído pela residencia de Medicina Geral e Integral.

Daqueles com quem conversei, parece que gostam da faculdade, mesmo ela sendo pequena e cinza (palavras deles). Sentem que tem mais matériais do ciclo básico e mais trabalhos comunitários que outras faculdades. De toda formam reconhecem a importancia e até gostam de fazer os trabalhos comunitários

Algumas consideraçoes:

Esses serviços guardam muitas semelhanças com nossos centros de saúde, particularmente os de Campinas. Para os colegas venezuelanos faço alguns apontamentos, obviamente baseados em conversas e observaçoes superficiais. De fato a equipe é pequena, isso ajuda que algumas atividades sejam distantes demais da vida das pessoas, pelo menos do que eu esperaria de um serviço de atençao primaria. Mesmo tendo em consideraçao a escassez de recursos para isso, seria interessante criar novas formas de gerir os rescursos já existentes, talvez outras formas de organizar o cuidado e o serviço deem mais respostas à populaçao. Apenas experimentando pode-se descobrir. Lembrar que aqui o sistema de saúde nao é municipalizado, o que dificulta um pouco a busca de recursos para essas criatividades para as modelagens locais, mas também facilita a criaçao e a implementaçao de uma política diretiva em todo o país (há de se considerar que a Venezuela é bem menor geografica e populacionalmente - aproximadamente 24 milhoes de habitantes).

Com tais proporçoes de profissional/habitante, parece-me que o serviço esta um tanto distante da populaçao, de seu cotidiano. A dificuldade de se fazer visitas domiciliares evidencia um pouco disso...
Chama a atençao como este tipo de serviço é médico-centrado. Depende do médico para desenvolver-se. Aparentemente isso deve-se, entre outras coisas, ao incipiente desenvolvimento das outras carreiras da saúde (pós-graduaçao em enfermagem, por exemplo, parece ser coisa existente há poucos anos.). Inclusive a coordenaçao de ambulatórios tipo II e III é necessariamente exercida por médicos (sanitaristas).

De toda forma, estes serviços estao sendo chamados de tradicionais. A proposta do Barrio Adentro viria para mudar várias dessas coisas. A experiência nele deve começar segunda (lunes).

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Esse fim de semana foi um bate e volta em Caracas. Tadavia essa é outra história e ficará para amanha porque já passa da 0:30 e estou cansado da viagem.

Um (1) dos modelos de Atençao Primaria

Antes de ter o Barrio Adentro havia uma estrutura de saúde, sem dúvida que sim. Essa estrutura continua existindo e em dada medida continua funcionando como antes. Essa explicaçao que darei é fruto de conversas com pessoas do Departamento de Medicina Preventiva y Social da Universidad Centro-occidental Lisandro Alvarado e de uma visita que fiz essa manha.

Existe aqui uma rede de ambulatórios que conformava (e conforma) a Atençao Primaria em Saude e parte da Atençao Secundaria. Sao os ambulatorios rurais I e II e urbanos I, II e III.

O Ambulatório Rural I fica em regioes com populaçao pequena, dispersa e afastada dos grandes centros, com até 1.000 habitantes. O todo atendimento é feito por auxiliares. O Ambulatório Rural II fica em áreas rurais com mais de 1.000 habitantes, contam com médicos generalistas, às vezes com odontólogos e com macas (camas) de observaçao. Ambos serviços compoe a Atençao Primaria.

Os Ambulatórios Urbanos ficam em populaçoes com mais de 10.000 habitantes. Nos de tipo I médicos generalistas e às vezes odontólogos e trabalhadores sociais fazem atendimento de nível primario. Nos de tipo II presta-se atençao de nível primário e secundário, além dos médicos generalistas podem contar com serviços de obstetrícia, pediatria e outroas especialidades médicas, alguns exames laboratoriais e radiologia. É bastante heterogêneo o que se encontra em cada ambulatório. Os Ambulatórios de Tipo III funcionam 24h, contando com serviços de emergencia, medicina interna, cirurgia geral ambulatorial, pediatria, ginecologia, dermatologia e consultas em doenças sexualmente transmissíveis, contam também com serviços diagnósticos diversos como exames laboratorias, Raio-X, ecografia e endoscopia digestiva alta (de presença heterogenea entre os serviços)

Esses ambulatórios sao considerados uma porta de entrada para o sistema. Há também uma rede hospitalar vinculada a esses serviços, mas nao vou entrar neste tópico agora.

Alguns problemas que sao apontados nessa estrutura: os médicos sao contratados para trabalhar 20 horas semanais e têm dificuldades de fazer um planejamento que contemple visitas domiciliares. Há dificuldade na contrataçao de médicos, resultando em demanda grande para cada um. Existe um certo paralelismo com a estrutura dos Barrio Adentro. Algumas pessoas identificam há duas linhas de mando, dificultando a integraçao. Parece que alguns médicos cubanos nao tem seu diploma validado o que tem resultando em constrangimentos nas relaçoes com a estrutura tradicional (como para atestar óbito, por exemplo). Além disso em alguns lugares verifica-se um vício na implantaçao dos serviços, com ambulatórios tipo I e consultórios populares do Barrio Adentro sobrepondo-se em sua populaçao adscrita.


Um experiência - Ambulatório Tipo II de Cerrito Blanco (informaçoes fornecidas pela equipe e por professor que acompanhava - muchas gracias!)

É um ambulatório tipo II, com clientela de aproximadamente 53.000 habitantes. Conta com uma equipe de 38 trabalhadores entre profissionais de enfermagem, trabalhadoras sociais, odontólogos e médicos (5 médicos generalistas 20 horas, 2 pediatras, 1 cardiologista e especilistas de medicina interna). Boa parte da assistência é feita por docentes e alunos da Universidade.

A assistência também organiza-se por programas e atividades prioritárias. Ministério da Saúde solicita a existência de grupos (club) de gestantes, amamentaçao, hipertensao e diabetes.

Deve haver registros (que sao consolidados na equipe e enviados para o ministério da saúde, que faz outro consolidado) das insuficiências respistória e renal, diabetes, hipertensao, tuberculose, asma, de saúde mental, doenças sexualmente transmissíveis, nutricionais, hanseníase, leishmaniose, doenças de notificaçao compulsória (imediata ou semanal) e classificaçao de risco biológico, psicosocial e ambiental. Alguns programas específicos também devem ser registrados, em Pediatria valem-se do AIDPI (a resposta de cada pergunta deve ser registrada), também existem programas específicos para Diabetes (I, II e gestacional), enfermidades renais, insuficiência respiratória crônica, telemedicina abordando cardiopatias, saúde sexual e reprodutiva e planejamento (planificación) familiar. O calendário vacinal básico é muito semelhante, com o acréscimo de Hepatite A, Febre Amarela e Pentavalente no lugar da Tetravalente. As visitas domiciliares sao realizadas pela enfermagem e trabalhadores sociais, médico somente quando requisitado.

Acompanho um grupo de amamentaçao (lactancia). Uma aluna de sexto ano de Medicina o conduz. Conduz com desenvoltura e estimulando a participaçao da maes. Nossos recém-formados nem de longe saem com essa capacidade, nao aprendemos a trabalhar com grupos na atençao básica. Muitas sao as experiencias de "ambulatorios da universidade" dentro de nossos centros de saúde, a integraçao real é mínima. Bom depois falo mais disso.

Sao aproximadamente 15 maes. De varias idades, com experiências variadas. Participam da atividade com atençao. Algumas tem que lidar com suas crianças (niños) chorando, andam pela sala livremente, entram e saem tentando acalmar suas crianças. Outras desviam a atençao para... amamentar, claro. Enquanto isso, discutem sobre as vantagens do aleitamento para a criança, para a mae, para a familia e também para o país! Em algum momento, depois de intervençoes de pessoas um pouco mais externas àquela grupalidade, a atividade torna-se um pouco mais prescritiva. Mas está ótimo! Já rendeu bastante coisa! Algumas maes estao preparando-se, depois de completar 6 meses de amamentaçao exclusiva há uma pequena celebraçao, como uma formatura dos bebês que alcançaram esta marca. Em breve haverá uma festa dessa.

Amanha devo visitar outro serviço como este, outro ambulatório e acompanhar outro grupo de alunos. Entao tecerei algumas opinioes sobre esses serviços e comentarei um pouco sobre como é a inserçao da universidade nos serviços de atençao primaria. Falando nisso, quinta e sexta estarei em Caracas, devo participar de uma reuniao exatamente sobre isso. Caso nao escreva até amanha, será por falta de tempo para faze-lo antes de viajar.

Passeio e trabalho

02/11

Domingo! Começamos com delicioso café da manha! Depois um passeio com os companheiros Ruben, China, Cecilia, Judit e Fatima para um povoado chamado Tintorero. Povoado de artesaos. Ficamos pouco por la. Quase que só o tempo para almoçarmos. E voltamos. Uma bela passagem montanhosa acompanhava-nos.

De noite Francisco e Olga levaram a Fátima e a mim para o povoado de Santa Rosa. Uma delícia! Em meio a algumas casas coloridas, antigas, uma praça. Nesta praça um coreto, uma estátua e uma igreja.

A Igreja é da Virgem Divina Pastora, padroeira da Venezuela e também adorada por muitas pessoas América Latina afora. No dia que lhe é dedicado, existe uma grande romaria para esse povoado e a imagem da santa, que é muito pesada, é carregada até a catedral da cidade. É uma boa distância! A estátua foi trazida pelos espanhóis, nos tempos da colônia, levaram-na por engano para esta igreja, quando era para ter ido para a catedral. Dizem que ao notar o erro foram troca-la de lugar, mas mais de 50 homens nao teriam sido capazes de ergue-la. Dizem também, que ao final do século XIX, durante uma forte epidemia de cólera, com muitos óbitos, um homem beijou os pés da imagem pedindo que a epidemia se acabasse. Ele teria sido a última vítima.

No meio da praça está uma estátua de Simón Bolívar. Os venezuelanos reconhecem muito o papel deste homem em sua história e na da América Latina.

No coreto, na extremidade contrária a da igreja, um grupo apresentava-se. Tocavam gaita, música típica do povo venezuelano. Deliciosa. Ficamos algum bom tempo sentados escutando aqueles senhores tocarem. Suas carecas e cabelos muito alvos mostravam quanto já faz que tocam. Tocam com gosto, com a mente sonhando e as pessoas que estao envolta deixam-se levar por esta música. Algumas pessoas lavantam-se e vao dançar (a dança lembra o forró). Ficamos assistindo...


03/11

Segunda-feira. O trabalho começa! Muita informaçao! Penso que será melhor dividir a informaçao em dois posts, talvez mais.
Sou calorosamente recebido por todos. Primeiro pelo Decano de Medicina (como um diretor de faculdade), depois na Diretoria Regional de Saúde. Todos sempre muito abertos, repondendo muito prontamente tudo o que eu perguntava, sem ressalvas ou restriçao de assunto.
Vamos falar primeiro do Barrio Adentro I (mais informaçoes) e da formaçao do quadro de pessoal para o mesmo. Para fazer conversa contamos com a ajuda da Dra. Mediomundo (muchas gracias).


Barrio Adentro I


O desenho organizacional da Atençao Primaria a Saúde é de uma equipe para cada 1250 a 1500 pessoas, ou seja, 250 a 300 famílias. A equipe é formada por um médico, um defensor de saúde e pelo comite de saúde.


A Misión Barrio I começou com médicos cubanos, mas a substituiçao destes pelos medicos venezuelanos já está se dando. E isso está ocorrendo de duas formas. A primeira é a formaçao de médicos especialistas em Medicina General y Integral. Essa pós-graduaçao é como uma residencia médica brasileira, ou seja, treinamento em serviço. Os especializandos recebem uma bolsa de aproximadamente R$4500.00 (atualmente o Real e o Bolívar Forte equiparam-se ou tomarmos a cotaçao do dólar) para fazer essa formaçao. Essa modalidade já tem algumas turmas formadas. Sua duraçao é de 3 períodos de 10 meses.

Outra modalidade de formaçao é uma graduaçao em Medicina General y Integral. Essa formaçao é feita a partir do Barrio Adentro, com alunos da próprias comunidades. Tem formaçao curricular parecida com a tradicional, mas com toda a centralidade para os consultorios populares (serviços de atençao primaria), mas nao deixam, claro, de fazer estágios em hospitais. Além disso tem um aprendizado mais forte nas práticas terapêuticas alternativas à farmacologia tradicional. Para fazerem qualquer especialidade, antes terao que fazer a especialidade de Medicina General y Integral, assim, trabalharao pelo menos 3 anos na atençao primaria. Nesta modalidade há 20.000 médicos em formaçao.

Os médicos tem a funçao de fazer as consultas individuais e realizar visitas domiciliares, amabas as atividades diariamente. Na visita domiciliar preenchem uma ficha de avaliaçao da familia e classificaçao de risco, visitam também aqueles incapazes de deslocar-se até o consultório e aqueles que estao em internaçao domiciliar (este recebem visitas diárias). Das fichas que fazem extrae-se um consolidado que será apresentado para uma assembléia de moradores e que vai orientar o plano anual de trabalho a ser construído nessa assembléia. Delas também saem censos nacionais. Também é funçao do médico coordenar as atividades do restante da equipe.

Como nem tudo sao flores, temos um problema em comum, aqui na Venezuela também está sendo difícil contratar médicos para esses postos de trabalho, mas há grandes esperanças nessas novas modalidades de formaçao.


Cada médico é acompanhado por um defensor de saúde. Esta pessoa é alguém da comunidade que vai formar-se para auxiliar o médico em suas atividades. Sua formaçao dura um ano e é feita, principalmente, por profissionais da enfermagem e do trabalho social, dando-lhes noçoes destes campos de atuaçao. Após formados vao acompanhar e auxiliar os médicos nas mais diversas atividades. Receberao um soldo de aproximadamente R$900.00 (1 salario mínimo daqui, complementando, o custo de vida está parecendo-me apenas poca coisa mais alto que o do Brasil) além de uma cesta alimentaçao, de aproximadamente R$500.00. Impacto decisivo na economia familiar!


Os comitês de saúde sao compostos por pessoas eleitas pela comunidade. É voluntário. Vao trabalhar na promoçao e prevençao de enfermidades, na análise da situaçao de saúde da comunidade. A análise vai de condiçoes socioambientais e geográficas até descriçoes epidemiológicas quantitativas e qualitativas.


Bom... Por altos é isso! Semana que vem estarei em campo vivenciando um pouco da experiência disso aqui em Barquisimeto.


Hasta Luego.

domingo, 2 de novembro de 2008

Começamos!!

(texto escrito ontem de tarde)

Buenas!

Esta será a primeira publicaçao do blog, desde quando estou na Venezuela. Foi um pouco difícil nestes primeiros dias conseguir sentar ao computador. Vamos direto ao assunto porque tenho pouco tempo. É hora do almoço e também tenho que comer! Difícil escrever em português e ouvir em espanhol!! Ah! Nao reparem! Nao estou achando alguns acentos neste teclado.


Dia 30/10 peguei o onibus para Sao Paulo as 4:30. Fui dormir aqui na Venezuela já eram 2:00 da manha! 24 horas viajando! Cheguei em Caracas as 16, pegamos um companheiro mais no centro da cidade e depois viemos para Barquisimeto de carro. Muchas, muchas gracias China!!! Muito transito, até muitos kilometros depois de termos saído de Caracas. Depois chuva forte! Assim foi que demoramos muito para chegar. Ainda antes de dormir acabei conversando um pouco com o companheiro Arello sobre saúde do trabalhador. Nao sei se pelo cansaço ou se pela transiçao para o espanhol, mas nao me lembro mais nada! Perdón compañero.

Dia 31/10 começa o XVII Encuentro Regional de Salud de trabajadores y trabajadoras do Estado Lara. Auditório lotado! Quase todos sao trabalhadores, sao delegados de prevençao, como chamam aquí. Metade sao eleitos pelos companheiros e outra metade indicada pelos empregadores. A abertura é emocionante! Após algumas falas, alguém lembra que é necessário cantar o hino. Nao! Nao ha musica, nao tem nada acompanhando! As 500 pessoas cantam forte, tirando o hino de dentro de si! Cantam de cor, com orgulho! É de arrepiar! Depois, de forma espontanea discursam sobre a historia de libertaçao de seu povo e sobre como agora enfrentam o imperialismo norteamericano. Em seguida gritos de ordem sao evocados com muita força e igualmente repetidos por todos. Arrepio-me de novo! Movimentos sociais brasileiros, onde estao? É tudo que penso nessa hora!


O dia segue neste clima! Fico muito cansado, nao sei se pelas horas acumuladas sem dormir ou se pelo esforço mental de escutar, falar e pensar em espanhol. A noite mudo minhas coisas para um hotel, onde devo ficar apenas nesta ultima noite que se passou. Algumas aventuras no caminho. O óleo do carro vazou e ficamos em um posto de gasolina fechado, na frente de um cemitério! Hehehe ok! Vamos tomar cerveja em um bairro boêmio, ao som de bolero! Lindíssimo. Mas meu cansaço é maior. Também nao sei se pelas horas sem dormir e pelo dia extenso ou se pela grande saudade em que me pego. Muita saudade de minha Nina! Minha parceira de boleros!

01/11, acordo com a cabeça em portugues! Até que volte a entender as coisas leva-se algum tempo! Mas acho que hoje ja estou me virando bem melhor! Vou tomar o café da manha com os companheiros Arello, Judit e Cecilia, em um mercado. Nao peçam que me lembre de todos os nomes das comidas típicas! Ainda está difícil reter uma boa memória das conversas. Trocamos muitas idéias sobre como está o SUS brasileiro e como tem-se estruturado o serviço publico de saude por aqui. Ah! Talvez tenha sido enfático demais quando tocam no assunto da Amazônia. Remetem ao fato de também terem escutado que nos EUA estao ensinando geografia com a amazônia fora do Brasil, como zona de proteçao internacional. Dissem que jamais abriremos mao da Amazonia! Que isso jamais sera possivel! Espero que esse nao abrir mao seja mais do que uma opiniao pessoal. Durante o dia, o segundo do evento, tiveram grupos de trabalho. Chama-me a atencao e me da muito orgulho ve-los citando Paulo Freire varias vezes. Sim, sei que estou devendo contar algumas coisas do campo da Saúde Coletiva e das outras coisas que começo a estudar por aqui, mas teremos tempo. E preciso sistematizar melhor o que tenho visto. De toda forma adianto que desenha-se um cronograma muito interessante e que em breve devo ter muitas coisas para pôr aqui. Uma frase importante escutada ontem (31/10): "los que mueren por la vida no pueden llamarse muertos…"

Agora esta parte estou escrevendo hoje!


Ficamos de manha nos trabalhos em grupo (ah! continuo sem achar o tiu! hehehe). Mecanica muito parecida do que fazemos habitualmente no movimento estudantil ou nas nossas atividades na Saúde Coletiva. De tarde, a plenária final.

Pude acompanhar momentos de construçao coletiva importantíssimos! Riquíssimos!

Repercute a idéia do controle social! Grandes intervençoes de Fátima (professora da UERJ que veio para o encontro e para dar algumas aulas por aqui! Tem sido grande companheira!).
"Só podemos falar na erradicaçao do trabalho infantil quando pudermos falar na erradicaçao da pobreza!" Fala da representante das crianças e adolescentes trabalhadores.

Alguns gritos de ordem:
"la clase obrera unida, jamás será vencida"
"¡alerta! ¡alerta! ¡Alerta que camina, a espada de Bolívar por la America Latina!" (nao sabe quem é Bolivar? Quem mandou ater-se as aulas de história do colegio! Vá estudar a história da América Latina!!!!!)

De noite um show belíssimo com música típica, de conteúdo militante. Era em comemoraçao dos 29 anos de um programa de rádio com esta temática. E de novo temos um auditório lotado! Pessoas empolgadas, cantando com muita empolgaçao, de cor, todas as músicas! Quando estamos nos aproximando do final do show, a companheira Olga chama a atençao para que olhemos para uma pessoa. Uma idosinha, deveria chegar perto de uns 90 anos. Baixinha velhinha, fofinha. Dançava, cantava. Seus suspiros de vida dedicados a ouvir e cantar aquela música! Música que parecia fazer parte dela, que parecia dar mais força a seus músculos cansados, fazendo-a dançar!

Lindo!


Francisco, Olga e otros compañeros venezoelanos, muchas gracias por su hospitalidad. Pido que tengan paciencia con mi portunhol. En breve escribo textos en español para que vosotros puedan participar más.

Gracias