terça-feira, 4 de novembro de 2008

Passeio e trabalho

02/11

Domingo! Começamos com delicioso café da manha! Depois um passeio com os companheiros Ruben, China, Cecilia, Judit e Fatima para um povoado chamado Tintorero. Povoado de artesaos. Ficamos pouco por la. Quase que só o tempo para almoçarmos. E voltamos. Uma bela passagem montanhosa acompanhava-nos.

De noite Francisco e Olga levaram a Fátima e a mim para o povoado de Santa Rosa. Uma delícia! Em meio a algumas casas coloridas, antigas, uma praça. Nesta praça um coreto, uma estátua e uma igreja.

A Igreja é da Virgem Divina Pastora, padroeira da Venezuela e também adorada por muitas pessoas América Latina afora. No dia que lhe é dedicado, existe uma grande romaria para esse povoado e a imagem da santa, que é muito pesada, é carregada até a catedral da cidade. É uma boa distância! A estátua foi trazida pelos espanhóis, nos tempos da colônia, levaram-na por engano para esta igreja, quando era para ter ido para a catedral. Dizem que ao notar o erro foram troca-la de lugar, mas mais de 50 homens nao teriam sido capazes de ergue-la. Dizem também, que ao final do século XIX, durante uma forte epidemia de cólera, com muitos óbitos, um homem beijou os pés da imagem pedindo que a epidemia se acabasse. Ele teria sido a última vítima.

No meio da praça está uma estátua de Simón Bolívar. Os venezuelanos reconhecem muito o papel deste homem em sua história e na da América Latina.

No coreto, na extremidade contrária a da igreja, um grupo apresentava-se. Tocavam gaita, música típica do povo venezuelano. Deliciosa. Ficamos algum bom tempo sentados escutando aqueles senhores tocarem. Suas carecas e cabelos muito alvos mostravam quanto já faz que tocam. Tocam com gosto, com a mente sonhando e as pessoas que estao envolta deixam-se levar por esta música. Algumas pessoas lavantam-se e vao dançar (a dança lembra o forró). Ficamos assistindo...


03/11

Segunda-feira. O trabalho começa! Muita informaçao! Penso que será melhor dividir a informaçao em dois posts, talvez mais.
Sou calorosamente recebido por todos. Primeiro pelo Decano de Medicina (como um diretor de faculdade), depois na Diretoria Regional de Saúde. Todos sempre muito abertos, repondendo muito prontamente tudo o que eu perguntava, sem ressalvas ou restriçao de assunto.
Vamos falar primeiro do Barrio Adentro I (mais informaçoes) e da formaçao do quadro de pessoal para o mesmo. Para fazer conversa contamos com a ajuda da Dra. Mediomundo (muchas gracias).


Barrio Adentro I


O desenho organizacional da Atençao Primaria a Saúde é de uma equipe para cada 1250 a 1500 pessoas, ou seja, 250 a 300 famílias. A equipe é formada por um médico, um defensor de saúde e pelo comite de saúde.


A Misión Barrio I começou com médicos cubanos, mas a substituiçao destes pelos medicos venezuelanos já está se dando. E isso está ocorrendo de duas formas. A primeira é a formaçao de médicos especialistas em Medicina General y Integral. Essa pós-graduaçao é como uma residencia médica brasileira, ou seja, treinamento em serviço. Os especializandos recebem uma bolsa de aproximadamente R$4500.00 (atualmente o Real e o Bolívar Forte equiparam-se ou tomarmos a cotaçao do dólar) para fazer essa formaçao. Essa modalidade já tem algumas turmas formadas. Sua duraçao é de 3 períodos de 10 meses.

Outra modalidade de formaçao é uma graduaçao em Medicina General y Integral. Essa formaçao é feita a partir do Barrio Adentro, com alunos da próprias comunidades. Tem formaçao curricular parecida com a tradicional, mas com toda a centralidade para os consultorios populares (serviços de atençao primaria), mas nao deixam, claro, de fazer estágios em hospitais. Além disso tem um aprendizado mais forte nas práticas terapêuticas alternativas à farmacologia tradicional. Para fazerem qualquer especialidade, antes terao que fazer a especialidade de Medicina General y Integral, assim, trabalharao pelo menos 3 anos na atençao primaria. Nesta modalidade há 20.000 médicos em formaçao.

Os médicos tem a funçao de fazer as consultas individuais e realizar visitas domiciliares, amabas as atividades diariamente. Na visita domiciliar preenchem uma ficha de avaliaçao da familia e classificaçao de risco, visitam também aqueles incapazes de deslocar-se até o consultório e aqueles que estao em internaçao domiciliar (este recebem visitas diárias). Das fichas que fazem extrae-se um consolidado que será apresentado para uma assembléia de moradores e que vai orientar o plano anual de trabalho a ser construído nessa assembléia. Delas também saem censos nacionais. Também é funçao do médico coordenar as atividades do restante da equipe.

Como nem tudo sao flores, temos um problema em comum, aqui na Venezuela também está sendo difícil contratar médicos para esses postos de trabalho, mas há grandes esperanças nessas novas modalidades de formaçao.


Cada médico é acompanhado por um defensor de saúde. Esta pessoa é alguém da comunidade que vai formar-se para auxiliar o médico em suas atividades. Sua formaçao dura um ano e é feita, principalmente, por profissionais da enfermagem e do trabalho social, dando-lhes noçoes destes campos de atuaçao. Após formados vao acompanhar e auxiliar os médicos nas mais diversas atividades. Receberao um soldo de aproximadamente R$900.00 (1 salario mínimo daqui, complementando, o custo de vida está parecendo-me apenas poca coisa mais alto que o do Brasil) além de uma cesta alimentaçao, de aproximadamente R$500.00. Impacto decisivo na economia familiar!


Os comitês de saúde sao compostos por pessoas eleitas pela comunidade. É voluntário. Vao trabalhar na promoçao e prevençao de enfermidades, na análise da situaçao de saúde da comunidade. A análise vai de condiçoes socioambientais e geográficas até descriçoes epidemiológicas quantitativas e qualitativas.


Bom... Por altos é isso! Semana que vem estarei em campo vivenciando um pouco da experiência disso aqui em Barquisimeto.


Hasta Luego.

4 comentários:

Unknown disse...

Legal Bruno! Aproveitando para conhecer um pouco da Venezuela, isto é ótimo e pela forma que conta deve ter sido maravilhoso estes passeios que fez.
Besos

Bruno disse...

Chamou-me atençao algumas coisas nisso. A forma incisiva que se adotou para formar médicos para a atençao primaria, para os interesses do sistema pùblico de saúde e para as necessidades de populaçao. Chama-me também a atençao o tipo de formaçao bastante ampla que fazem para os "Defensores de Saúde". Faço paralelo deles com nossos agentes de saúde. Parece-me que essa experiência é interessante para nós. E ver uma iniciativa, que nao seja de dentro da academia, tao decisiva na formaçao de recursos humanos traz-me a mente as idéias de constituiçao de escolas técnicas sob a batuta das secretarias de saúde. Nao acham?

Unknown disse...

Bruno isto seria ótimo, principalmente se as secretarias de saúde dessem continuidade as trabalhos iniciados, uma vez que quando as leis nº 7498 de 25/06/86 (Lei do exercício da Enfermagem) e a Lei nº 8964 de 28/12/1994 (Lei do Atendente de Enfermagem), extinguiram com o então atendente de enfermagem, houve uma corrida para a profissionalização destes.
Nesta ocasião abriram-se cursos, formaram-se parcerias entre as secretaria municipais de saúde e escolas, porém quando aqueles que não estavam protegidos pela Lei de 8964 terminaram suas profissionalizações tudo o que foi iniciado veio por água a abaixo, nem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), que entre outras coisas modula os cursos técnicos dando a certificação de Agente de Saúde àqueles que concluem o primeiro módulo conseguiu segurar tudo o que foi acertado entre secretarias e escolas.
Sei bem que o curso que hora propõe, tem uma finalidade mais concreta visando muito mais o atendimento SUS, o Programa de Saúde da Família (PSF) ou até mais amplo um pouco, no entanto a antiga experiência me remete, à talvez, falta de comprometimento dos políticos para que seja dando continuidade aos trabalhos iniciados, independente do partido que assume a prefeitura.
Conversando ontem (03/11/08) com um Administrador Hospitalar, falávamos sobre a falta de médicos voltados para a área da saúde coletiva no Brasil, da falta de profissionais de enfermagem que consigam efetivamente realizar a assistência em conjunto com a área administrativa, bem como do baixo nível educacional desta população.
Considerando-se tudo isto, vejo a necessidade de que tais profissionais tenham, primeiramente, uma base educacional mais sólida, bem como uma base inicial sobre a necessidade de profissionais ligados ao atendimento da coletividade, pois este estando bem feito a tempo e a hora; muitos outros problemas serão minimizados no atendimento terciário. Tais bases devem ser ministradas em qualquer curso da área da saúde e em qualquer nível educacional.
Espero que a experiência de uma antiga enfermeira possa lhe ajudar da tarefa não só de propor, mas também de colocar em prática, definitivamente, a educação profissional de agente de saúde como um curso de importância relevante à Saúde Pública do Brasil.
Vamos lá e pode contar comigo para a montagem do plano do curso.
Beijos

Bruno disse...

Concordo. Só uma coisa que discordo. Políticos só sao descomprometidos se a populaçao tb o é, se o trabalhadores tb o sao. Se essas pessoas nao cobram diretamente dos políticos que façam seu trabalho, se elas nao tem protagonismo na historia da sua comunidade, do seu trabalho ou do seu país. Existe um mal-estar social, uma descrença de que alguma coisa possa ser feita, uma desesperança de que qq coisa melhore que nao é sem interesse. Aos poderosos, politica ou economicamente, muito interessa que as pessoas nao tenham esperança. Isso as faz imoveis! Os poderes nao sao contestados e nao há mudança... enfim...

De todo caso, nao estou tao certo quanto às proprias secretarias terem escolas técnicas para formar melhor seus trabalhadores, mas parece-me um dos vários caminhos que sao necessarios percorrer para termos uma melhora da qualidade da assistência nos diversos níveis de atençao.