domingo, 22 de fevereiro de 2009

Misiones Barrio Adentro III e IV, mais um passo em desenvolvimento

A Misión Barrio Adentro III tem como um de seus principais objetivos construir e/ou reestruturar hospitais de baixa e média complexidade. Integrando ao sistema mais leitos para internação, salas operatórias para procedimentos eletivos ou que demandem um centro cirúrgico não-ambulatorial. Enfim, toda a complementação que uma rede hospitalar pode trazer. A Misión Barrio Adentro IV está voltada para a criação de hospitais de altíssima complexidade, de referência nacional ou mesmo continental. Como o estágio estava voltado, prioritariamente para a atenção primária, não foi possível conhecer muito das experiências que estão acontecendo em torno dessas missões, entretanto, vale lembrar de dois casos.
Em Paraguaipoa, extremo noroeste venezuelano, tem a fronteira com a Colômbia a 20 minutos, tem entre seus moradores maioria absoluta de indígenas guajira ou descendentes destes. Ali existe um hospital baixa complexidade que foi transferido para a gestão do Barrio Adentro. Novos recursos entraram. Do que pude perceber as condições sanitárias eram bastante complicadas, desde a higiene até o material utilizado, a exposição de fiação, goteiras etc. Agora está sendo amplamente reformado e ampliado. O que antes era destinado a atender principalmente urgências e emergências e consultas de poucas especialidades (ginecologia, obstetrícia, pediatria) contará com um centro cirúrgico ambulatorial, áreas específicas para o atendimento das emergências pediátricas e obstétricas, centro obstétrico com adaptações para contemplar aspectos da cultura indígena, ampliação do serviço laboratorial e de anatomia patológica. Na ocasião da visita os atendimentos estavam todos sendo realizados em locais adaptados, tal a profundidade da reforma. Parece mesmo que do hospital original conservar-se-á apenas a fundação.
Táchira é um estado com incidência e mortalidade de câncer gástrico visivelmente mais elevadas do que no restante do país. Diante disso acaba de ser inaugurado o Hospital Oncológico, destinado exclusivamente à realização do tratamento dos mais diversos tipos de enfermidades oncológicas sendo, para isso, equipado com serviços de quimio e radioterapia e centro cirúrgico. Como ainda está na primeira fase de funcionamento conta com apenas 40 camas de hospitalização e 4 camas para terapia intensiva. Ainda se discute a proporção de leitos de internação e de terapia intensiva, programado ter 10% do total de leitos para os cuidados intensivos, mas diante das características do serviço, discute-se que chegue a 25% do total. A completa implantação das atividades, equipamentos e equipe de trabalho, espera-se que seja capaz de atender a população dos Estados Táchira, Barinas e Apure, além do norte da Colômbia.
Para ingressar neste serviço o paciente deve vir com o encaminhamento para tratamento (diagnóstico já realizado). Será atendido por uma equipe multidisciplinar que realizará uma classificação de risco baseada em condições clínicas e sociais. É realizado um seguimento estreito do paciente durante o seu tratamento, trabalhadores sociais dedicam-se a saber do paciente, investigar faltas e ajudar para que conclua a terapia proposta. Ainda estão pouco munidos de técnicas gerenciais para composição e articulação entre as equipes multidisciplinares com a gestão do caso. Será necessário avançar mais na discussão da gestão da clínica.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Outros serviços do Barrio Adentro

• Serviços de odontologia:
Uma publicação do Ministerio del Poder Popular para La Salud menciona a proporção de um consultório odontológico para cada quatro consultórios populares. (Coordinación Nacional de Barrio Adentro, 2008) Longe de representar qualquer verdade, conheci poucos destes serviços, parecendo-me que esta é uma meta ainda um pouco mais distante de ser alcançada.
Apresentam-se de forma bastante heterogênea de um estado para outro. Em San Juan de los Morros o serviço de odontologia está concentrado em um espaço no centro da cidade, contendo cinco cadeiras, onde trabalham profissionais cubanos e venezuelanos, mas que ainda carece de trabalhadores de nível médio e técnico (auxiliar de consultório dentário ou técnico de higiene dental). Já em Zulia encontrei o serviço descentralizado nos consultórios populares. Mesmo ali, não trabalham profissionais de nível médio e são realizadas poucas atividades coletivas, no máximo palestras episódicas em escolas ou em grupos. Parece-me que o paradigma da atenção e prevenção em saúde bucal ainda não foi muito abalado.

• Ópticas populares:
Os pacientes têm seus desvios de refração diagnosticados pelos oftalmologistas dos CDIs. Feito isso recebem a prescrição de um óculos, que levarão à óptica popular. Chegando lá o desvio de refração é testado novamente, caso seja necessário, em seguida realiza a escolha da armação e o óculos é montado na hora. O serviço é gratuito aos usuários e todo o material está incluído no convênio com Cuba sendo, portanto, trazido de lá. A distribuição desse serviço é municipal, regional ou estadual.

• Centros de Alta Tecnologia
O apoio diagnóstico demanda, muitas vezes, a realização de exames mais caros e mais complexos. O CAT é responsável por esse tipo de demanda realizando tomografia computadorizada (tomógrafos de 64 canais, com resultados digitalizados), ressonância magnética, ecocardiograma (inclusive com uso de transdutor transesofágico e a realização de testes mais específicos como teste de stress), endoscopia (alta e baixa, com simultâneo tratamento do que se apresentar, cauterizações, biópsias excisões de pólipos etc), densitometria óssea, mamografia, radiografia simples e exames laboratoriais considerados mais complexos como certas sorologias e dosagens hormonais, além daqueles que também são realizados nos CDIs.
Não existe nenhum tipo de discriminação de clientela, todos que acessam o serviço com a solicitação de exame são atendidos, sejam os oriundos dos sistemas públicos de saúde (Barrio Adentro, sistema tradicional ou outros serviços públicos), sejam da atenção privada ou sejam colombianos. Também não existe agendamento, o antedimento se dá no próprio dia, em compensação as pessoas costumam ter que chegar muito cedo, vindas de várias partes do estado. Existe uma triagem dos casos, procurando-se priorizar a realização dos exames nas pessoas com condições clínicas mais deterioradas, idosos, gestantes e moradores de regiões mais distantes. É realizado pelo pessoal da recepção, o que me parece um problema, já que não existe uma escuta clínica deste paciente ao chegar. O conselho diretor é composto pelos coordenadores de cada departamento em periodicidade de varia de um serviço para o outro. Quando são frequentes ocorrem pela manhã, em reuniões rápidas e objetivas para atualização de notícias, troca de informações e discussão de problemas a serem resolvidos no dia. Existe o costume de uma reunião parecida com a troca de plantão dos CDIs, todo fim de dia para avaliação e planejamento.
Em Táchira existe uma outra organização da agenda do CAT, acredito que pressionado pela alta demanda que a clientela nortecolombiana produz. As vagas são distribuídas semanalmente, primeiro entre as ASIC, as quais realizam reuniões semanais para discussão de caso e já realizam uma avaliação de risco para priorizar o agendamento. O agendamento é realizado entre os coordenadores, de forma que paciente precisará deslocar-se apenas para a realização do exame. São reservadas algumas vagas para emergências, vagas do dia e ainda assim restam vagas que são usadas pelos outros serviços públicos, serviços privados e colombianos.
Todo equipamento opera sempre a capacidade máxima, com consciência sobre os efeitos disso para a vida útil da aparelhagem. Por isso em cada CAT existe uma equipe de 5 engenheiros, treinados pelas fabricantes e que realizam treinamentos entre si. Essa equipe realiza uma programação de manutenção preventiva, único momento no qual o atendimento é suspenso por algumas horas.

• Clínicas Populares
São serviços que prestam atendimentos especializados. Como ainda não estão muito difundidos no país não havia nenhum nos locais de estágio.
Todos esses serviços, independente do nível de complexidade em que se encaixam, foram criados com a Misión Barrio II.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Áreas de Saúde Integral e Comunitária

Os Centros de Diagnóstico Integral são serviços que visam ao aumento da resolutividade dos consultórios populares além do suporte clínico e cirúrgico a urgências e emergências. Para isso contam com um pronto atendimento com uma sala de emergência, com tudo o necessário para atender às emergências mais comuns, de desfibriladores a medicações específicos como trombolíticos. Para dar retaguarda a esses atendimentos existem leitos de obervação e terapia intensiva, em quantidade variável de uma serviço para outro, mas que também contam plenamente com o necessário para o desenvolvimento do trabalho, diversas classes de antibióticos, drogas vasoativas, bombas de infusão, corpo clínico especializado. Sendo o atendimento 24 horas, os plantões são realizados por médicos do próprio serviço e por médicos dos consultórios populares, que alternam-se em plantões a cada 8 dias cada profissional.
Para apoio diagnóstico estão equipados com radiografias simples, ecografia (abdominal, obstétrica, transvaginal, transretal etc), gastroduodenoscopia, eletrocardiografia, exames de bioquímica sanguínea (perfis renal, hepático e lipídico), hematologia (hemograma), fezes e urina e, ocasionalmente sorológicos (HIV, hepatites, chagas, dengue etc, cuja disponibilidade varia muito de um serviço para outro). Em todos existe um serviço de oftalmologia clínica voltado, principalmente, para urgências e diagnósticos.
Alguns também têm uma equipe de cirurgia que atua em um centro cirúrgico ambulatorial, em geral não maior do que uma ou duas salas cirúrgicas. Nesses centros cirúgicos ambulatoriais realiza-se as mais diversas pequenas cirurgias, procedimentos em traumatologia, outras urgências cirúrgicas como apendicites, colecistites, obstrução intestinal, úlcera perfurada e cirurgias eletivas como hérnias de parede, colecistopatias, reprodutivas etc. Não me foi possível definir como estabelecem onde e quantos centros cirúrgicos são criados.
O atendimento é por demanda espontânea. Mesmo os encaminhamentos dos consultórios populares não são agendados, todo paciente que chega é atendido no mesmo dia. Exceção seja feita aos exames diangósticos que necessitam de algum tipo de preparo, então as orientações são dadas no primeiro dia e o exame realizado no dia seguinte. Para as cirurgias ambulatoriais as filas de espera costumam ser de uma semana, muitas vezes a cirurgia não é realizada com rapidez por motivos do paciente. Mesmo quando o serviço é mais demandado a espera não atinge 1 mês.
Não foi em todos os serviços visitados que foi possível destrinchar melhor como ele é gerenciado, de toda forma parece haver um conjunto de práticas semelhantes entre vários deles. A ferramenta mais empregada é a passagem de plantões nas quais ocorrem discussões de avaliação, seguimento e planejamento das questões do CDI. Às vezes essas discussões são feitas pelos chefes de setor, às vezes por todos os clínicos presentes naquele horário. Em geral a passagem de plantão da manhã é mais operativa, mais rápida, discute-se os problemas do dia anterior, reavaliando o que foi feito e dentre os problemas o que já foi solucionado e o que precisa ser providenciado para o dia vindouro, realizando também o planejamento para o dia. Na passagem de plantão da noite as ações do dia são avaliadas, determinando-se o que ainda é possível fazer de noite e os indicativos de ações para o dia seguinte. Dessa forma, segundo uma gestora, o dia fica inteiro para supervisão e acompanhamento das atividades. Existe também a composição de um conselho administrativo, composto pelos chefes dos setores que além de acompanhar as reuniões de passagem de plantão reúne-se a periodicidade variável para realização de avaliações e planejamentos mais gerais. Os indicadores utilizados são definidos em nível ministerial, com metas pactuadas nacionalmente, incluem dados como taxa de ocupação e taxa de permanência dos leitos, quantidade de exames realizados, quantidade de pacientes atendidos etc.
As Salas de Reabilitação Integral fazem par com os CDIs e tal qual estes não possuem agendamento de pacientes, os mesmos são atendidos a livre demanda, muitas vezes com uma carta do médico do consultório popular de sua região. São atendidos casos de reabilitação física, motora, neurológica, foniátrica, psicoeducacional e ocupacional. Ao chegar, o usuário passará por uma avaliação com uma médica fisiatra que após determinar do que se trata o caso terá a sua disposição diversas ferramentas terapêuticas: ginásio para mecano, cinesio e massoterapia, eletroterapia, magnetoterapia, laserterapia, termoterapia, ultrasonoterapia, hidroterapia, terapia ocupacional, podologia ludoterapia, psicopedagogia e a chamada “medicina natural e tradicional” (MNT) que incluem moxaterapia, acupuntura, eletropuntura, sangrias e ventosas. A exceção da MNT, cujas atividades não são integralmente encontradas em todos os serviços, as outras modalidades terapêuticas foram sempre encontradas funcionando, com pelo menos um técnico responsável por cada setor e equipamentos em ótimo estado de conservação. Os relatos dão conta de que a cada dia o fisiatra atende cerca de 20 pacientes, enquanto outros 100 estão em tratamento diariamente. Depois de encerrado o número de sessões previamente combinado com o paciente (colocado genericamente como 10 sessões), este passa novamente em consulta com o fisiatra para avaliar a alta ou a extensão do tratamento. Ocasionalmente os técnicos também adiantam esta “consulta de retorno”, caso notem excepcional melhora, má adesão ao tratamento proposto ou dificuldade em cumpri-lo.
Aos CDI e SRI juntam-se os Consultórios Populares para conformarem as Áreas de Saúde Integral e Comunitária. A proposta é que a coordenação da área seja realizada no CDI, propondo-se uma integração e intercâmbio de idéias, experiências, casos clínicos, estudos, vigilância em saúde da região e gestão destes serviços. O território adscrito varia de 50.000 até 100.000 pessoas, sendo mais freqüentes as áreas menores, de 50.000 a 75.000.
Em raros casos vi essa conformação realmente constituída como tal. No geral o que se apresentava era um CDI/SRI atendendo à área, com os médicos dos consultórios populares participando do rodízio de plantões do pronto atendimento, referenciando seus casos a esses serviços e tendo sua contra-referência. No estado Táchira ficou mais marcado o avanço na organização gerencial da ASIC, talvez pressionado pela alta demanda nos serviços, aos quais acodem um grande número de colombianos (o país vizinho tem uma saúde pública de acesso bastante restrito, conforme explicação das gerências locais), que em nenhum momento deixam de ser atendidos, sob a justificativa da solidariedade e do internacionalismo. As gerências dos CDIs estão mais próximas ao cotidiano dos consultórios. Aos sábados ocorre a chamada reunião de brigada, que congrega as equipes dos serviços da área, tanto médicos quanto pessoal de enfermagem. Sempre é feita uma avaliação da semana, do que ocorreu em cada lugar, a discussão dos problemas existentes, é realizado um planejamento para a semana seguinte buscando a solução das questões levantadas. A cada semana alguns profissionais ficam responsáveis pela apresentação de algum caso clínico interessante para ser discutido e estudo pelo restante do grupo. Nas avaliações utilizam-se de indicadores como os já mencionados acima, semanalmente é emitido um boletim com esses dados e mensalmente um consolidado também é divulgado. Aproximadamente a cada semestre ocorre uma discussão sobre os dados epidemiológicos da área, levantados das salas situacionais dos consultórios.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Consultórios populares, a gestão

Existe um padrão para organização do trabalho em cada consultório que só não é seguida em casos excepcionais. A jornada de trabalho é das 7 ou 8 horas até às 16 ou 17 horas. A manhã é dedicada para atividades internas (ainda que às vezes existam grupos de atividades físicas na primeira hora de trabalho), o médico realiza as consultas do dia, todos que chegam ao consultório são atendidos, sem qualquer tipo distinção. As consultas não são agendadas, ainda que os retornos de certos grupos de pacientes sejam bem programados isso é combinado entre médico e paciente, não existe agenda. Isso não era um problema, em quase todos os lugares era muito factível atender a todos que acessam ao serviço pela manhã. Complicava-se apenas nos lugares onde a população que se referenciava ao consultório era muito grande (por falta de médicos na área ou em regiões fronteiriças com a Colômbia), nestes casos a atividade vespertina costuma ser comprometida. Enquanto o médico atende o defensor de saúde aplica medicação injetável, inalação, reorienta algum paciente que tenha permanecido com dúvidas e recebe os pacientes que estão chegando, com uma avaliação de gravidade superficial e empírica.
Os prontuários dos pacientes são separados por condições de saúde. Existe uma pasta para cada patologia crônica, se o paciente é afetado por mais de uma seu prontuário é colocado em pasta para “casos especiais”. Os prontuários das crianças são separados por faixa etária, assim como os idosos saudáveis e as gestantes têm pastas específicas. Caso não existam patologias crônicas ou outras condições de risco atribuíveis as fichas são arquivadas por família. É notado muito esmero em toda a organização e arquivamento das histórias clínicas. E apesar de parecer uma organização pouco prática e não centrada na família, os médicos dão pouca importância para isso pois sabem pontuar, de memória, cada um dos casos, atribuindo essa facilidade a uma quantidade de famílias adscritas limitada. Também sempre sabiam dizer, sem hesitação, quantos hipertensos, diabéticos, asmáticos e gestantes atendia em sua área.
O período da tarde é dedicado às visitas domiciliares. Em geral realizadas a pé (nas áreas pequenas) pelo médico, defensor de saúde, às vezes alguém do comitê de saúde e com os alunos que estivessem estagiando no consultório. As visitas são realizadas a pacientes que tenham qualquer tipo de dificuldade de ir ao consultório e pacientes cuja necessidade é informada pelo comitê de saúde. Além disso, a médio prazo, o objetivo é visitar todas as residências da área adscrita. A cada visita a família é avaliada e classificada quanto aos seus riscos e vulnerabilidades biológicos, sociais e econômicos. A essa atividade chamam de dispensarização.
De 8 em 8 dias o médico é deslocado do consultório para um plantão de 12 horas no Pronto Atendimento de referência da região, nos Centros de Diagnóstico Integral (CDI). No dia do plantão a atividade vespertina do consultório é suspensa, dando lugar a preparação para o plantão. No dia seguinte ao plantão noturno, eles têm direito à uma folga pós-plantão, apesar da mesma nem sempre ser cumprida e muitos dos médicos continuarem trabalhando no dia seguinte.
Outra atividade freqüente, que costuma ocorrer no início das manhãs ou no final das tardes, são os grupos. Os mais variados possíveis, são grupos de idosos, de caminhada, de dança, de educação em saúde para crianças, de hidroterapia, de hipertensos, diabéticos, de geração de renda. São conduzidos pelos médicos, educadores físicos ou por pessoal treinado na comunidade. A maioria conta com boa adesão. São direcionados à educação em saúde e ao controle de enfermedades crônicas, mas também ao aumento na qualidade de vida dos pacientes e da própria equipe de saúde.
Os relatos são emocionantes. Os relatos do envolvimento e do entrosamento dessas equipes com suas comunidades. Certa companheira, de um comitê de saúde, começou a frequentar um grupo de atividades físicas como uma forma de enfrentar a dor do assassinato do irmão. Em pouco tempo já estava tão envolvida com toda aquela atividade e mostrando tanto gosto, que foi convidada a participar de um treinamento com o educador físico cubano. Agora, quatro anos depois, coordena grupos todas às tardes e todas as manhãs. Sua terapia reverteu-se em dedicação à comunidade, em seu próprio trabalho, pelo qual se diz apaixonada. A médica já tinha sua especialidade, até gostava, mas resolveu experimentar essa experiência para a qual os médicos estavam sendo chamados a contribuir. Cursou a residência de Medicina General y Integral e começou a trabalhar em um consultório afastado do centro da cidade. Até então tinha problemas no desenvolvimento de relacionamentos, um tanto relacionado (como ela diz) à sua obesidade. No trabalho com a comunidade, no envolvimento mútuo, mútuas afeições se desenvolveram. No cumprimento de seu trabalho, uma auto-estima se desenvolveu. E surgiu a necessidade de participar dos grupos junto com seus queridos pacientes, era preciso estimula-los a sair de casa, a envolverem-se uns com os outros. Seus pacientes desenvolveram autonomia, aprenderam a sair de casa, todos fizeram boas amizades. A médica os trata com imenso carinho, dentro e fora do consultório e, trabalhando nos grupos conseguiu ela mesma, perder mais de 15 kg.
Muitos trabalhadores venezuelanos, de todas as categorias, dizem estar atendendo a um chamado do presidente. Essa são suas respostas quando se pergunta porquê ou como foram parar ali, naquele consultório. O chamado presidencial convoca à construção de um novo sistema público e nacional de saúde, à construção de uma nova realidade social, ao desenvolvimento de novas práticas sociais e políticas. Respondendo a ele pessoas apoiaram a chegada de médicos cubanos, comitês de saúde formaram-se em torno desses consultórios, médicos abdicaram de seus antigos trabalhos e formações (em Medicina Intensiva, Ginecologia, Cirurgia, Infectologia etc) e foram se arriscar em uma nova carreira. Os cooperantes cubanos falam da solidariedade e do internacionalismo socialista de seu país e que os leva a essas missões. Seus grandes estímulos estão no aprendizado de vida e profissional (patologias e condições de saúde que não existem em Cuba) e no reconhecimento moral que recebem ao retornar a seu país.
Em relação à estrutura física desses serviços, as condições são bastante heterogeneas país a fora. Muitos consultórios ainda são lugares adaptados de diversas formas, em salas de outras instituições ou em cômodos de casas das comunidades. Os poucos lugares que conheci nessas condições estavam em bom estado organizativo e sanitário, apesar disso, chegaram-me notícias de lugares que estavam em condições bastante ruins. Os consultórios que já haviam sido construídos contavam, no mínimo, com uma sala de atendimentos, uma de observação e curativos e outra de espera. Alguns tinham mais de uma sala de atendimento, outros tinham uma sala específica para vacinação. Os equipamentos eram os mínimos para se realizar os atendimentos, macas, lâmpadas para exame ginacológico, para aplicação de medicações injetáveis, inaladores elétricos, geladeiras para vacinas etc.
Com tudo isso pode se considerar que a Misión Barrio Adentro muda de forma importante, radical, uma política social. É sua plena democratização, a radicalização do acesso à saúde, a vontade política de tornar realidade um programa de saúde da família. Parece-me que essa força e velocidade da implantação distinguem o programa venezuelano de saúde da família do brasileiro. Em 5 anos já estão falando em 70 a 80% de cobertura, falamos dessa cobertura aqui depois de 15 anos da criação do programa.
A análise dos anuários de mortalidade do ministério da saúde mostram uma queda da mortalidade infantil, mas não evidenciam a mesma queda em outras patologias. Isso evidencia que a implantação da política avançou muito e atingiu certa efetividade, mas que talvez ainda falte avançar alguns pontos, talvez relacionado à integralidade do sistema.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Consultórios populares e a conformação das equipes

Foi na Rede de Atenção Primária em Saúde que as “Misiones Barrio Adentro” nasceram. Um nascimento turbulento. Com muitas resistências e oposições, mas também com a ajuda de alguns vizinhos e militantes que acreditavam no projeto. Apesar de tudo, a missão cubana logrou abrir o caminho para o novo sistema de saúde em Caracas, em 2003. Inicialmente foram 53 médicos especialistas em saúde da família, ali chamados de medicina geral integral, provindos de outras missões internacionalistas cubanas pelo mundo. Depois da primeira fase, piloto, a quantidade de médicos se expandiu, dobrando. Ao final de 2003 a missão já estava se estendendo pelo restante do país. Em 2008 atinge-se o número de 7878 especialistas, dos quais 871 venezuelanos, além de 1499 residentes da pós-graduação de medicina geral integral. (Coordinación Nacional de Barrio Adentro, 2008, pags 16-22).
Durante o estágio foi possível visitar consultórios populares nos estados Lara, Yaracuy, Guarico, Zulia e Sucre, em áreas rurais e urbanas, tanto nas regiões centrais quanto nas periferias mais pobres das cidades. Existe um funcionamento geral, seguido em todos os consultórios. As práticas e o que foi vivenciado em cada um dos serviços exibe algumas peculiaridades que auxiliam na reflexão sobre o sistema que ainda está em implantação, já que, apesar do grande avanço na cobertura da assistência em saúde à população, ainda há muito o que progredir, consultórios a construir, médicos a formar e a contratar, comunidades a mobilizar. Nos lugares onde já há médico mas ainda não foi construído as instalações do consultório, as atividades se dão em locais adaptados. São quartos cedidos por moradores, salas cedidas por outras instituições, adaptadas de forma que possam receber atividades de saúde, ao menos a consulta médica.
Cada equipe será responsável pela atenção à saúde de 1250 a 1500 pessoas, ou 250 a 300 famílias, sendo composta pelo médico, defensor de saúde e comitê de saúde. Esse arranjo tem largas variações regionais. Obviamente nem em todos os lugares já se conseguiu essa proporção de equipe por habitante. Leve-se em consideração o amplo aumento da cobertura e da quantidade de médicos trabalhando com atenção básica, em alguns raros lugares ainda se observa proporções como 3000, 5000 ou até mesmo 10000 pessoas por equipe. Para isso ressaltaram-se dois motivos principais, primeiro o tempo e os recursos necessários para que esta proporção de equipe seja atingida, em alguns lugares a velocidade de implantação chegou a 50 consultórios em um ano, ainda assim não deu conta de atingir as metas e muitas obras ainda estão por serem executadas. O segundo motivo é a falta de interesse médico em ir trabalhar em algumas regiões sejam rurais, mais pobres, afastadas ou fronteiriças a outros países. Conversando com alguns médicos eles apontam fatores como distância, segurança e condições de trabalho como desestimulantes, além do fator salário (que é de pouco mais do que 2 salários mínimos). Algumas tentativas para lidar com esse problema já têm sido tomadas, uma delas é a formação específica para atenção primária em saúde, assunto que terá tópico exclusivo mais a frente. Outra medida, já um pouco mais antiga, é o chamado “artigo 8” ou “rural”. Trata-se de uma lei que obriga todos os recém-formados a trabalhar um ano em locais pré-estabelecidos pelos governos estaduais e ministério da saúde. Com aqueles com quem conversei este ano é tratado como um momento de aprendizado, por isso será mais abordado no tópico sobre ensino.
A equipes também têm variado em composição e qualificação técnica. A composição mínima é a de um médico, um defensor de saúde e o apoio do comitê de saúde. Os médicos na maior parte são cubanos, já existem vários egressos de residência médica em “Medicina General y Integral”, os residentes em curso também compõe várias equipes, além dos alunos de graduação em “Medicina Integral y Comunitária”, que já passam os 20.000 e devem ter a primeira turma se formando em 2011 (Coordinación Nacional de Barrio Adentro, 2008, pags 25-31). Esses dois cursos, criados com o Barrio Adentro, totalmente focados na formação para o sistema público de saúde, serão mais discutidos no tópico ensino. Nos consultórios já construídos onde trabalham “cooperantes” cubanos foi construída sua moradia em cima ou nos fundos do consultório. Se o médico é venezuelano prefere-se que more dentro ou nas cercanias da área em que trabalha.
Os defensores de saúde também são, preferencialmente, moradores da região adscrita pelo consultório. Existe uma grande heterogeneidade na qualificação destes trabalhadores. A maior parte é composta por auxiliares de enfermagem, entretanto, em alguns lugares esses profissionais já estão trabalhando mas ainda são estudantes para auxiliar de enfermagem, contando apenas com a supervisão do médico do consultório. Em outros lugares são auxiliares de enfermagem cursando o nível superior da carreira, ou são enfermeiros de nível superior já formados. Por fim, encontrei um consultório que a defensora de saúde não havia frequentado qualquer tipo de curso, tendo sido apenas treinada pelo médico. O vínculo empregatício também é diverso, ainda que na maior parte dos lugares sejam profissionais contratados pela Fundação Barrio Adentro (FBA), em muitos outros são profissionais que trabalham de forma voluntária, o que é fantástico também, essa apropriação do espaço pela comunidade, mas que não deixa de preocupar no caso da necessidade de responsabilização frente a adversidades. O vínculo também pode estar com instituições diversas: FBA, Ministério del Poder Popular para la Salud (MPPS), outros ministérios, governos estaduais e governos municipais.
Os comitês de saúde são entidades da comunidade destinadas ao controle social do que é realizado nos consultórios populares e outros serviços de saúde da região. Além das atividades estritamente relacionadas ao controle de recursos e ações, também devem apoiar as ações comunitárias e de educação em saúde a serem desenvolvidas na sua área. Semestralmente ou anualmente a equipe de saúde deve apresentar e discutir com os membros do comitê de saúde os indicadores de saúde daquela comunidade. Este tipo de atividade será melhor detalhado no momento em que discutirmos o tema controle social.
Fora desta equipe mínima em vários consultórios encontram-se outros profissionais trabalhando: promotores de saúde, enfermeiros de nível superior, vacinadores, educadores físicos, faxineiras, odontólogos. Estas categorias profissionais não estão sempre presentes, e quando estão, mantêm as memas heterogeneidades já apontadas acima. Os promotosres de saúde são pessoas da própria comunidade treinadas para auxiliar em trabalhos de educação em saúde, promoção e prevenção, são voluntários. Existem poucos enfermeiros de nível superior, muitas vezes são eles os vacinadores (outras vezes são auxiliares com treinamento expecífico), na maior parte das vezes são encontrados realizando trabalhos em rodízio entre vários pontos de consulta. Os educadores físicos às vezes são cooperantes cubanos que trabalham com atividades de grupo para diversas faixas etárias, ficam em um consultório até que consigam treinar ao médico ou a alguém da comunidade (que também atuará como voluntário) para coordenar esse tipo de atividade. Em poucos lugares havia alguém contratado para a realização da faxina, em geral essa é uma atividade que é esperada que seja feita pelos membros do comitê de saúde, com o apoio da equipe. Também somente em alguns consultórios existe espaço para o odontólogo, quase sempre somente naqueles consultórios construídos mais recenemente. O serviço de odontologia costuma ficar sediado centralizado, por cidade, em outro espaço.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Una analisis del uso del blog (en portugés y español)

Cheguei à Venezuela e encontrei um país extremamente polarizado. De um lado os partidários do presidente Chaves, socialista, defendendo um novo modelo político, econômico e social para o país. No pólo oposto a oposição, chamada de direita e de defensora de um modelo capitalista de produção e de vida. A troca de acusações é intensa. Assim quando a política do Barrio Adentro foi implantada, mais do que uma política de saúde foi encarada como uma política de governo, rapidamente se rotulava qualquer um que participasse desse projeto como “chavista”. Os primeiros a participarem disso foram as missões cubanas, que se tornaram alvo de todo tipo de acusação, fundamentadas ou não, pré e pós-conceito. Fato que os pequenos erros, ou que a diferença de conduta entre médicos cubanos e venezuelanos era motivo para grandes acusações contra o Barrio Adentro e as pessoas envolvidas com o mesmo. Aqui se desenha minha implicação durante o estágio. Estando eu, comprometido ideologicamente com a construção de um sistema de saúde público e de qualidade, meus relatos no blog não poderiam ser usados como arma para atacar a construção deste sistema, por mais que achasse pouco provável que a chamada “oposição” estivesse acompanhando os relatos.
Assim, o blog tornou-se uma ferramenta para rapidamente colocar em discussão observações durante o estágio, entretanto, os filtros continuavam a existir. Sempre foi necessário adequar a escrita ao regime político vigente, ao qual eu não estava interessado de perturbar mais do que o mínimo possível, sob risco de prejudicar algo que defenderia ou de prejudicar a viabilidade de meu próprio estágio. As críticas necessárias não deixaram de ser feitas, principalmente pessoalmente, mas no diário foram amenizadas.
As transcrições das anotações no papel, às vezes quase ilegíveis até mesmo para mim, para o computador foi um trabalho difícil. Cada texto deveria ser constantemente pesado, relido e analisado para que as críticas fossem feitas de forma adequada e para que as pessoas não fossem expostas pelos textos. A preocupação ética deveria ser constante. Além disso, havia limitações operacionais. Não houve um computador integralmente à minha disposição. O acesso a internet, ou mesmo às máquinas, só era possível em lojas, na maior parte do tempo. Ou seja, este trabalho dependia que em cada cidade fosse encontrada uma loja de acesso a internet, cujo acesso do local em que estivesse hospedado não fosse muito difícil ou perigoso e cujo custo não fosse muito alto. Assim, em algumas cidades pelas quais passei as inserções eram praticamente diárias, em outras mal passaram de um ou dois textos na semana inteira.
Creio que o idioma foi outra limitação. No primeiro mês de estágio o blog foi escrito exclusivamente em português, isso com certeza limitou a participação de companheiros venezuelanos na compreensão do que estava escrito. Mais de uma vez enfrentei pedidos para que escrevesse o blog em espanhol também, mas a segurança para fazê-lo veio apenas no final do estágio. Recebi emails e comentários por outras vias, mas pelo próprio blog poucas foram as inserções de comentários. Muitas vezes pontuais ou feitas por familiares em apoio a toda a experiência.


Llegué Venezuela y encontré un país extremadamente polarizado. De un lado los partidarios de presidente Chaves, socialistas, defendiendo a un nuevo modelo político, económico y social para el país. En lado contrario, esta la llamada oposición, dicha de derecha, defensora de un modelo capitalista de la producción y de la vida. El intercambio de la acusación es intenso. Así cuando la política del Barrio Adentro fue implantada, más que una política de la salud fue hecha frente como una política del gobierno, rápidamente era llamado de “chavista” cualquier un que participara de este proyecto. Primeros a participar de esto habían sido las misiones cubanos, ésa si fue convertida en el blanco de todo el tipo de acusación, basado o no. Hecho de que los errores pequeños, o que la diferencia del comportamiento entre los doctores cubanos y venezolanos era razón de grandes acusaciones contra el Barrio Adentro y la gente implicada con igual. Aquí mi implicación se dibuja durante el período de la pasantía. Siendo comprometido ideológico con la construcción de un sistema público de la salud y de la calidad, mis historias en blog no podrían ser utilizados como arma para atacar la construcción de este sistema, mismo siendo poco probable que la llamada “oposición” seguía las historias.
Así, el blog se convirtió en una herramienta rápida a colocar comentarios del cotidiano durante el período del entrenamiento, sin embargo, los filtros continúan existiendo. Era siempre necesario ajustar la escritura al interese político, a que me no interesaron disturbar más que el mínimo posible, bajo riesgo en dañar algo que defendería o dañaría la viabilidad de mi período apropiado de la pasantía. Las críticas eran hechas, principalmente personalmente, pero en el diario habían sido aclarados para arriba.
Las transcripciones de las notaciones en el papel, a los tiempos casi ilegibles aun cuando para mí, para la computadora eran un trabajo difícil. Cada texto tendría, constantemente, ser pesado, ser releído y ser analizado de modo que los críticos fueran hechos de forma adecuada y de modo que los textos no exhibiera a la gente. La preocupación ética tendría que ser constante. Por otra parte, tenía limitaciones operacionales. No tenía integralmente una computadora a mi disposición. El acceso el Internet, o igual a las máquinas, era solamente posibles en las tiendas, la parte más grande del tiempo. Es decir, este trabajo dependió, en cada ciudad, que fue encontrado un cyber, que acceso del lugar en donde fue contenido no era muy difícil o peligroso y que coste no era muy alto. Así, en algunas ciudades donde quedé las inserciones eran prácticamente diarias, mientras tanto en otras ciudades, los textos no pasaran de uno o dos en la semana entera.
Creo que la lengua era otra limitación. En el primer mes del período del entrenamiento el blog fue escrito exclusivamente en portugués, éste con certeza limitó la participación de amigos venezolanos en la comprensión de lo que fue escrito. Más que una época que hice frente pedido de modo que también escribiera el blog en español, solamente tuve la seguridad hacerle en el final del período de la pasantía. Recibí email y los comentarios para otras maneras, pero para el blog apropiado pocas habían sido las inserciones de comentarios. Muchas veces familiares incitan o hicieron cerca a favor de toda la experiencia.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Enfermo.
Estoy enfermo y con mucha dolor para conseguir escribir.